Não existia mais nenhuma história a
ser contada. Nenhuma. Chegou até a parar o que estava fazendo,
inúmeras vezes, pensando 'será que essa história alguém já
ouviu?'. Em seguida desistia e justificava 'claro que já ouviu,
claro que algo parecido já aconteceu com alguém nesse mundo vasto,
nada será novidade.' E assim, pobre, continuou procurando algo para
contar que nunca tivesse sido contado. Passou ano após ano, em meio a sua
rotina, procurando algo novo para contar.
Ah mas que arrogância velada! Quem é
você que espera gastar sua gramática apenas para contar o que
causará espanto? Ah mas que arrogância.
No costumeiro hábito de conversar com
si mesma, dava-se broncas e dizia: ah mas que arrogância.
Sim, ainda pequena desenvolveu a
habilidade de conversar com si mesma. Afinal, sua mãe não era de muita conversa, sentia-se bem sozinha e gostava mesmo de conversar com
seu marido e só. Para a menina a atenção era forçada, curta e pronto, acabou. A mãe já tinha arranjado algo para fugir dela e do assunto bobo que trazia consigo. Ah mas ela entendia
e perdoava, o pai era mesmo uma pessoa de largo assunto, boa prosa,
disposto a ouvir e retrucar. O problema estava nela, que devia ser uma criatura desinteressante.
Começou inventando mentiras, pois
percebeu que novidades prendiam a atenção da mãe. Até que foi
pega e verbalmente punida. Que medo de mentir. E isso carregou
para sempre.
Para seguir adiante, pois a vida é
assim, ela segue e é bom que você acompanhe, desenvolveu quase sem
querer a distração de escrever. Escrevia o que desejava que
acontecesse. Depois, escrevia o que sabia que nunca aconteceria.
Depois, escrevia poemas rasos. Achou chato. Voltou a conta histórias
e contava sobre o amor, sobre o ódio, sobre a superação. Sempre
com muito drama. Muito drama e desfechos mirabolantes. Pois, aprendeu
que só o inacreditável prendia a atenção das pessoas.
Aí, deixou de acreditar naqueles
elogios que recebia de amigos, professores ou sei lá. Começou a
acreditar mais naquelas críticas que ouvia da mãe. Críticas que
vinham quando a figura materna achava alguma folha escrita, lia
algumas linhas, ria, ria, chamava o filho mais novo para engrossar o
coro, os dois riam e riam. Ela tentava pegar a folha de volta,
desengonçadamente, o que fazia que rissem mais. Ah que penação.
Resolveu desenhar. Que porcaria é
essa?
Voltou a escrever, sem nenhuma
intenção, era quase intuitivo, talvez fosse a forma de não
enlouquecer. Mas dessa vez, mais madura, o fazia de forma marginal,
escondia o caderno que escrevia em meio às suas roupas. Mas sempre
estava lá sua mãe para achar e rir e rir e rir e perguntar com uma
quase raiva: pra que você escreve isso? Talvez fosse raiva, ela não
sabia bem, na verdade ela não conseguia distinguir o que aquele
olhar de desprezo representava de verdade.
Então, aquela pequena parcela de mundo
a convenceu de que ela não era boa naquilo. Um farsa! É isso, sou
uma farsa! Engano, talvez, mas não realizo, de fato, algo bom.
Melhor deixar isso quieto, colocar no lado gelado do coração.
Então ela seguiu uma década ensaiando
escrever algo, que logo descartava e logo jogava fora para que nem tivesse
a chance de ler novamente e envergonhar-se e ouvir na sua mente
aqueles risos de sarros e sarros. Nossa, como é desconfortável ser
ridicularizada.
Um dia percebeu que queria escrever e
que não adiantava essa busca por aquilo que não tinha sido contado.
Não havia nada que o homem não tivesse vivido nessa longa história
de existência. Passou um tempo pensando nisso. Gostou de saber
disso.
Noutro dia percebeu que a grande sacada
não estava em contar algo que não tivesse sido contado, mas sim,
como contar algo que já aconteceu um milhão de vezes, mas de uma
maneira tão honesta e própria que encantaria alguém, que ao ler o
escrito sentiria-se tocado por uma história nada fabulosa.
Ah então é isso! Não preciso
inventar algo inimaginável, só preciso contar de forma que sintam
cada palavra que escrevo.
Pensou, pensou, pensou. Rascunhou
alguma coisa, apagou, voltou e tentou, sorriu e até pegou um vinho.
Estava tão empolgada como alguém que fosse lidar com um brinquedo
pela primeira vez. Esse enlevo não durou vinte minutos.
Na metade de uma história qualquer que
resolver contar, desistiu. Releu. Achou tão fraco. Releu com um
olhar menos crítico, cuidado, não se boicote. Fraco. Não é
possível, o que acontece comigo? Fechou o arquivo e clicou em não
salvar. Ridícula, ainda finalizou.
Levantou, como quem deixa uma vida de lado e não liga e resolveu aplicar-se em qualquer bobeira
da sua rotina. Mas no seu rosto tinha um sorriso ao contrário.
Sabia que nunca conseguiria, mesmo com
tanta coisa para falar, tanta gentileza pra contar, com tanta palavra transbordando.
Sabia que sua mãe tinha ganhado novamente. E o que a irritava era
saber que a sua mãe não tinha razão.
Mas, nem sei porquê estou aqui te contado essa história tão desinteressante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário