sábado, 18 de outubro de 2014

Não existia mais nenhuma história a ser contada. Nenhuma. Chegou até a parar o que estava fazendo, inúmeras vezes, pensando 'será que essa história alguém já ouviu?'. Em seguida desistia e justificava 'claro que já ouviu, claro que algo parecido já aconteceu com alguém nesse mundo vasto, nada será novidade.' E assim, pobre, continuou procurando algo para contar que nunca tivesse sido contado. Passou ano após ano, em meio a sua rotina, procurando algo novo para contar.
Ah mas que arrogância velada! Quem é você que espera gastar sua gramática apenas para contar o que causará espanto? Ah mas que arrogância.
No costumeiro hábito de conversar com si mesma, dava-se broncas e dizia: ah mas que arrogância.
Sim, ainda pequena desenvolveu a habilidade de conversar com si mesma. Afinal, sua mãe não era de muita conversa, sentia-se bem sozinha e gostava mesmo de conversar com seu marido e só. Para a menina a atenção era forçada, curta e pronto, acabou. A mãe já tinha arranjado algo para fugir dela e do assunto bobo que trazia consigo.  Ah mas ela entendia e perdoava, o pai era mesmo uma pessoa de largo assunto, boa prosa, disposto a ouvir e retrucar. O problema estava nela, que devia ser uma criatura desinteressante.
Começou inventando mentiras, pois percebeu que novidades prendiam a atenção da mãe. Até que foi pega e verbalmente punida. Que medo de mentir. E isso carregou para sempre.
Para seguir adiante, pois a vida é assim, ela segue e é bom que você acompanhe, desenvolveu quase sem querer a distração de escrever. Escrevia o que desejava que acontecesse. Depois, escrevia o que sabia que nunca aconteceria. Depois, escrevia poemas rasos. Achou chato. Voltou a conta histórias e contava sobre o amor, sobre o ódio, sobre a superação. Sempre com muito drama. Muito drama e desfechos mirabolantes. Pois, aprendeu que só o inacreditável prendia a atenção das pessoas.
Aí, deixou de acreditar naqueles elogios que recebia de amigos, professores ou sei lá. Começou a acreditar mais naquelas críticas que ouvia da mãe. Críticas que vinham quando a figura materna achava alguma folha escrita, lia algumas linhas, ria, ria, chamava o filho mais novo para engrossar o coro, os dois riam e riam. Ela tentava pegar a folha de volta, desengonçadamente, o que fazia que rissem mais. Ah que penação.
Resolveu desenhar. Que porcaria é essa?
Voltou a escrever, sem nenhuma intenção, era quase intuitivo, talvez fosse a forma de não enlouquecer. Mas dessa vez, mais madura, o fazia de forma marginal, escondia o caderno que escrevia em meio às suas roupas. Mas sempre estava lá sua mãe para achar e rir e rir e rir e perguntar com uma quase raiva: pra que você escreve isso? Talvez fosse raiva, ela não sabia bem, na verdade ela não conseguia distinguir o que aquele olhar de desprezo representava de verdade.
Então, aquela pequena parcela de mundo a convenceu de que ela não era boa naquilo. Um farsa! É isso, sou uma farsa! Engano, talvez, mas não realizo, de fato, algo bom. Melhor deixar isso quieto, colocar no lado gelado do coração.
Então ela seguiu uma década ensaiando escrever algo, que logo descartava e logo jogava fora para que nem tivesse a chance de ler novamente e envergonhar-se e ouvir na sua mente aqueles risos de sarros e sarros. Nossa, como é desconfortável ser ridicularizada.
Um dia percebeu que queria escrever e que não adiantava essa busca por aquilo que não tinha sido contado. Não havia nada que o homem não tivesse vivido nessa longa história de existência. Passou um tempo pensando nisso. Gostou de saber disso.
Noutro dia percebeu que a grande sacada não estava em contar algo que não tivesse sido contado, mas sim, como contar algo que já aconteceu um milhão de vezes, mas de uma maneira tão honesta e própria que encantaria alguém, que ao ler o escrito sentiria-se tocado por uma história nada fabulosa.
Ah então é isso! Não preciso inventar algo inimaginável, só preciso contar de forma que sintam cada palavra que escrevo.
Pensou, pensou, pensou. Rascunhou alguma coisa, apagou, voltou e tentou, sorriu e até pegou um vinho. Estava tão empolgada como alguém que fosse lidar com um brinquedo pela primeira vez. Esse enlevo não durou vinte minutos.
Na metade de uma história qualquer que resolver contar, desistiu. Releu. Achou tão fraco. Releu com um olhar menos crítico, cuidado, não se boicote. Fraco. Não é possível, o que acontece comigo? Fechou o arquivo e clicou em não salvar. Ridícula, ainda finalizou.
Levantou, como quem deixa uma vida de lado e não liga e resolveu aplicar-se em qualquer bobeira da sua rotina. Mas no seu rosto tinha um sorriso ao contrário.
Sabia que nunca conseguiria, mesmo com tanta coisa para falar, tanta gentileza pra contar, com tanta palavra transbordando. Sabia que sua mãe tinha ganhado novamente. E o que a irritava era saber que a sua mãe não tinha razão.
Mas, nem sei porquê estou aqui te contado essa história tão desinteressante. 


Nenhum comentário: